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Clamamos a todas as pessoas, a comunidade internacional, em especial aos profissionais de saúde mental, para construir uma saída não violenta e definitiva para este conflito, para que tomem ações concretas pelo cessar fogo contra o povo palestino e para dar fim ao colonialismo brutal. Ressaltamos também, a importância da abertura das fronteiras para a entrada de ajuda humanitária ao povo palestino.
Nos últimos dias, o bombardeio brutal e perverso de Israel sobre a Faixa de Gaza – que tem sido sitiada por Israel nos últimos 17 anos – resultou na morte de mais de 8.000 palestinas(os) (entre elas mais de 3.400 crianças), mais de 20.000 feridos e provocado o deslocamento forçado de mais de um milhão de pessoas, sem acesso à mantimentos básicos de sobrevivência. (PRCS, 2023)
Os números serão sempre desatualizados frente às perdas que acontecem a cada segundo. A destruição de mais da metade das unidades residenciais, além de deliberados ataques em hospitais, escolas e universidades, representam uma tragédia de proporções humanitárias. Condenamos e lamentamos também os casos de violência contra civis israelenses, vítimas do revide violento do Hamas, especialmente porque tem atingido pessoas inocentes, muitas delas ainda sequestradas.
Declarações recentes dadas por um representante oficial do Governo de Israel referem ao povo palestino como “animais humanos”. Para eles, toda a população de Gaza deve ser feita de refém através de um bloqueio completo de comida, água, eletricidade, combustíveis e medicamentos. Mais recentemente, Israel bloqueou o acesso a sinais de telefone e internet, isolando Gaza do resto do mundo. (MSF, 2023)
A lógica de punição coletiva de inocentes é considerada crime de guerra e deve ser veementemente repudiada. (ICRC, 2022) Entendemos que estas e outras declarações do Governo israelense tem ampliado a ideologia racista e que opera com impunidade e complacência internacional. A xenofobia volta com força, e hoje faz de migrantes, refugiadas(os) e apátridas – não apenas palestinas – as principais vítimas do discurso desumanizante.
É fundamental que não percamos de perspectiva o que se passa em Gaza: são 2.2 milhões de pessoas, cuja maioria já eram migrantes deslocados de territórios da Palestina histórica ocupados irregularmente por Israel, que vivem há 17 anos numa prisão a céu aberto . Israel é quem decide o que entra e o que sai de Gaza: pessoas, energia, comida, remédios, combustível e ajuda humanitária. Famílias inteiras têm suas casas destruídas por bombardeios. Crianças nascem e morrem cercadas por muros, tendo sua identidade nacional e a existência enquanto povo, negada há décadas.
Nada é mais criminoso do que a limpeza étnica sistemática de uma população confinada em muros altos, construídos para esconder um cerco militar por ar, terra e mar, o que consideramos um verdadeiro crime. Não apenas em Gaza, mas também na Cisjordânia e em outros pontos da Palestina histórica, a ação colonial imposta a esta população já produziu 6,1 milhões de refugiadas(os) palestinas(os) (UNRWA, 2023).
Enquanto presenciamos a intolerável perda de milhares de vidas, vemos com urgência e preocupação o assédio e a tentativa de silenciamento dos posicionamentos em favor dos direitos dos palestinos. Não é aceitável, sob nenhum pretexto, perseguir quem denuncia a existência de um povo apátrida, vivendo em condições de apartheid.
Estas denúncias são contundentes. Um relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2022 aponta 3 elementos essenciais: a Palestina é rigorosamente uma prisão a céu aberto, a maior prisão do mundo; há um regime de apartheid em toda a Palestina; foram identificados nesses relatórios traços de uma vida em Gaza equivalente à de um campo de concentração. Nada disso começou no dia 7/10/23 e nada disso é novidade. O que se acirra é a propaganda de guerra contra o povo palestino como a de agora. Isso é genocídio midiático, uma eliminação intencional de um povo a partir da propaganda de guerra, de circulação intencional de notícias e narrativas falsas.
A luta palestina é também uma luta a ser empreendida no Brasil. Entendemos a tragédia palestina como profundamente conectada com a guerra aos pobres, negros e comunidades tradicionais no nosso país. A lógica de supremacia racial e étnica é refletida na branquitude brasileira, que justifica incursões a favelas e o assassinato sistemático de crianças, adolescentes e jovens negros. Importante ressaltar que há inúmeros convênios entre as forças de segurança brasileiras e as forças armadas israelenses, sendo o Brasil um dos maiores clientes da indústria de armamentos de Israel. A munição israelense encontra corpos negros e periféricos brasileiros.
As lógicas supremacistas de brutalização e a desumanização tem sido historicamente denunciadas pelo movimento negro do Brasil, por exemplo, no contexto do antigo regime de apartheid sul-africano e também em ações de solidariedade internacional com o povo palestino. Os movimentos de libertação negra também experimentaram a condenação ideológica de seus esforços de liberdade sob a rubrica de “terroristas”. A desumanização do povo negro é também a desumanização do povo árabe, consolidado por uma aliança da branquitude global, em seu caráter genocida e etnocida.
O COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA EM DEFESA DO POVO PALESTINO
Nós, Psicólogas, Psicólogues e Psicólogos comprometidos com a dignidade que qualquer vida humana requer, somos orientados pelos Princípios Fundamentais de nosso Código de Ética e reivindicamos a conexão entre o compromisso ético e político da Psicologia com a radicalidade da luta antirracista e antigenocida.
Clamamos à nossa categoria e às(aos) estudantes de Psicologia para que enfrentem corajosamente este problema que afeta o mundo inteiro, e cumpram com seu dever ético de prezar pela dignidade humana, mantendo uma distância crítica da propaganda de guerra e reivindicando relações humanas e dignas em todas as situações em curso.
Quase todas as crianças ou adolescentes de Gaza já nasceram sob regime de isolamento. Associados aos insistentes ataques e outras consequências do cerco e da ocupação, há neste território uma imensa população infantil com graves problemas psicológicos e psiquiátricos. A situação de saúde mental é agravada pelas determinações sociais impostas ao povo palestino: um regime colonial e de apartheid, identificado pelas Nações Unidas em 6 relatórios, e reconhecido por diversas organizações ligadas aos Direitos Humanos, dentre elas a Anistia Internacional.
Por isso é fundamental analisar historicamente os efeitos da ocupação israelente na Palestina. Os efeitos da Nakba, a catástrofe de 1948. E é função da Psicologia, enquanto ciência e profissão, recusar análises superficiais ou levianas. Neste sentido, criticamos instituições e associações do campo da saúde mental que se posicionaram de forma a contribuir para a propagação da retórica desumanizante. Em sua última nota, a APA negligencia o contexto histórico palestino e faz vista grossa às violências impostas a população sitiada em Gaza. Não fazem qualquer menção ao horrível bombardeamento do pequeno enclave [um território ou parte de um território completamente cercado por outro Estado] que afeta palestinos de maneira absolutamente incomparável com relação aos israelenses. Entendemos que as declarações dessa ordem ignoram as contingências que precarizam a saúde mental e ampliam o trauma coletivo, resultante de décadas de opressão, violência contínua, humilhação e injustiça infligidas pela ocupação de Israel.
Não há dicotomia entre a política e saúde mental. Não é possível analisar a ocupação da Palestina sem analisar as estratégias de desumanização, do esvaziamento de dignidade e vida do povo palestino.
A desumanização de vidas palestinas – em atos e discursos – é o que normaliza o sofrimento palestino, como se fosse natural, óbvio e impossível de interromper. Palestinos e palestinas têm, há décadas, vocalizado seu sofrimento. Têm clamado por visibilidade diante da comunidade internacional. E o fazem de inúmeras maneiras não violentas: resistindo a cada minuto, a cada segundo, para não desaparecerem. Produzem arte, produzem música, produzem poesia. Plantam e cuidam de sua terra e território originários.
Enquanto não conhecemos uma Palestina livre do jugo colonial israelense, nenhum número de bombas extinguirá a vontade inata de viver com dignidade. Desta forma, a resistência palestina é, para citar Mahmoud Darwish, incurável.
Entendemos e aceitamos a convocação histórica de nos colocarmos, como Psicólogas(os), junto ao povo palestino. Não estará em nosso nome a cumplicidade com o genocídio em massa, com a limpeza étnica e o assassinato, em especial, de crianças.
Condenamos o sistema de segregação, discriminação e punição coletiva imposto à Palestina. Urge a construção da paz, que apenas passará pela consolidação do Estado Palestino, instaurando um regime de respeito aos Direitos Universais a todas(os) que vivem na região.
É preciso que o povo palestino – assim como todo povo em sua autodeterminação – tenha condições de existir para além dos muros impostos, dos arames farpados, dos campos de refugiados, e de toda a desumanização: que possam dar sua contribuição para a bela história, ainda a ser construída, de emancipação coletiva e de desenvolvimento do gênero humano.